19 de outubro de 2012
Quem tem medo do crítico mau?
Postado por
Gabriel
O debate sobre o mérito artístico dos games é velho e cansativo, mas sempre dá um jeitinho de voltar com novo fôlego de tempos em tempos. Só que nunca chega a lugar algum. Confira aqui alguns motivos que mostram por que a discussão toda simplesmente não importa e o porquê de ela surgir em primeiro lugar.
Arte não é superior nem inferior, ela é apenas... arte
Uma das fontes mais citadas quando o assunto é arte e games são as declarações do crítico de cinema Roger Ebert, que afirma categoricamente que games não são e nem serão — pelo menos não durante todo o nosso tempo de vida por aqui — arte.
Quais são os motivos que levam um crítico de cinema a querer discutir games? Basicamente (leia mais detalhes aqui), Roger Ebert, após criticar o filme "Doom", recebeu uma mensagem de um fã referindo-se ao game original. Foi então que alegou não ser familiarizado com esse tipo de coisa, já que há bons livros e filmes demais para ter tempo de jogar.
A polêmica surgiu mesmo quando fãs insistiram na questão, o que eventualmente levou o crítico a responder que games não são um meio de expressão artística, limitando-se à recreação. Logo, ler bons livros e assistir bons filmes é uma atividade mais enriquecedora do que jogar um game.
Você já deve saber até onde isso levou, certo? À velha discussão de sempre envolvendo games e arte. O principal problema com essa discussão é que foi motivada por uma simples opinião: Roger Ebert não tem interesse em games e justifica-se usando o argumento de manifestação artística. Ora, eu poderia fazer o mesmo em relação a filmes, alegando que prefiro games por um motivo ou outro. Não é um fato, não é objetivo, não deveria ser objeto de discussão.
Mesmo assim, vale destacar que é uma opinião precipitada. Games podem sim despertar emoções, encher os olhos com beleza, engajar e levar à reflexão tanto quanto qualquer outro tipo de obra. Encarar um game como uma mera evolução de jogos tradicionais, com regras a serem seguidas para atingir um objetivo e vencer o desafio, é uma visão limitada e nada tem a ver com o fato de ser arte ou não.
Portanto, e este é um ponto que eu vou retomar ao longo do texto, o fato de games não serem arte não serve como justificativa alguma. Mesmo supondo que games não têm mérito artístico, há muitos outros méritos que devem ser contabilizados e podem, sim, equipará-los à "arte verdadeira".
A arte como status
Por que tanta obsessão em elevar o nível cultural dos games? Bem, isso é fácil de entender. Para os profissionais, implica em prestígio e reconhecimento maiores de seu trabalho. Adicionalmente, o governo e a sociedade passariam a valorizar mais esse setor da indústria, possibilitando incentivos ao seu crescimento.
Para o gamer, esses aspectos acabariam contribuindo para que ele pudesse obter games em maior quantidade, maior qualidade e preços mais acessíveis. Além, é claro, de calar a boca de jornalistas sensacionalistas.
Esse é um bom objetivo, mas os meios encontrados para atingi-lo são inadequados. Você simplesmente não vai conseguir convencer um sujeito que nunca jogou na vida de que os games podem ser considerados tão culturais quanto música erudita, literatura etc. Tudo a que isso acarreta são dezenas de discussões acaloradas, porém fúteis.
O que deve ser feito, então? Aí entramos no nosso próximo ponto.
A arte está nos olhos de quem vê
Justamente porque só gamers conseguem conceber os games como itens culturais, é deles e de mais ninguém que deve partir a iniciativa, independentemente do que críticos de arte podem pensar.
E isso não se limita aos games. É plenamente possível para um matemático considerar seu trabalho como arte, um programador ver "beleza" em seu código e um biólogo se encantar com os mecanismos por trás da vida. Cada um tem algo que considera sublime, que desperta sentimentos, que é feito com intenção, enfim, que é arte.
Como exemplo pessoal, cito Ever17, que aliás entra em outro debate: visual novels são games ou não? Independentemente disso, o fato é que Ever17 utiliza com maestria elementos que só são possíveis em meio digital, construindo uma trama envolvente através da interatividade. Você pode considerar livros e filmes superiores por algum critério, mas eles nunca conseguirão reproduzir a experiência incrível transmitida pela novel.
Ou seja, não é preciso ficar batendo na tecla de que games são arte para refutar esse tipo de argumento. Até porque...
Games já são arte
Pode-se afirmar que, se games são arte, então por que não estão nos museus? Se games são arte, por que não são apreciados por colecionadores/especialistas? Se games são arte, então por que não existem estudos dentro da crítica da arte?
Espero que ninguém use esses argumentos, porque são tiros no pé. Existem sim exposições dedicadas a games e/ou mídia digital no geral. Existem sim itens raros negociados e colecionados com afinco, tal como obras de arte cobiçadas. Existem sim estudos sérios na área, inclusive com uma atual disputa acadêmica entre as abordagens de narratologia e ludologia.
"Ah, mas games certamente não fazem parte de patrimônio cultural algum, certo?". Não poderia estar mais errado. Ao longo dos anos, os games vêm influenciando as gerações cada vez mais. O impacto que eles têm sobre a vida das pessoas é inegável, e isso fica bastante perceptível nas amostras de homenagens por fãs.
Quer exemplo melhor do que Detona Ralph, uma união muito bem-vinda entre cinema e games, em que um não fica abaixo ou acima do outro? E falando em cinema...
Tudo é arte?
Por melhores que sejam seus argumentos, algo permanece válido: nem todos os games podem ser considerados artísticos ou culturais. Mas e daí? Não é o mesmo em qualquer outro meio?
Eu posso pegar um pincel e fazer um desenho técnico de uma cadeira. Não é arte — a não ser que você invente uma explicação mirabolante, aí vira arte moderna. Eu posso escrever um livro totalmente sem lógica sobre batatas explosivas que transformam homens em zumbis. Não é arte. Eu posso pegar uma fórmula consagrada de Hollywood e fazer um filme em cima disso, como milhares e milhares de produções genéricas. Não é arte.
E nada impede que tudo isso seja considerado bom, divertido, talvez até memorável.
Quando alguém diz que literatura ou cinema são meios mais apropriados para acomodar manifestações artísticas, isso não diz nada a respeito da qualidade das obras produzidas em cada meio, nem que todas as obras em um determinado meio sejam automaticamente arte.
A mensagem final, portanto, é um gigante "e daí?". Se games algum dia serão ou não admirados em museus respeitados e considerados cultura clássica, isso em nada influencia no julgamento de alguém sobre eles agora. É possível apenas lamentar que alguém os considere perda de tempo sem ao menos ter jogado um bom título, mas há pouco a dizer quanto a isso. Com arte ou sem arte, bons games existem, melhores do que muitos livros e filmes pretensiosos por aí.
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