Reportagens envolvendo games tendem a padecer do mesmo mal: desinformação. Mais perigoso do que permanecer ignorante é saber apenas parte da verdade e se contentar com isto, algo cada vez mais frequente no jornalismo, ou ao menos o brasileiro. São reportagens que não apenas ofendem gamers e desenvolvedores, como cospem na face do verdadeiro jornalismo como agente a serviço da sociedade. Entenda mais.
Se por um lado é benéfico a todos que os games sejam divulgados, consequentemente fortalecendo a presença da indústria no país, por outro há cada vez menos esperança na colaboração da mídia para que isto seja possível.
Uma demonstração de como a mídia frequentemente despreza opiniões contrárias à que deseja exibir, analisemos a seguinte reportagem recente do canal Record sobre o mod "GTA Torcidas" e como ele supostamente está distorcendo os valores dos jovens e promovendo a violência:
Sendo naturalmente muito complexo usar o Google ou entrevistar gente que entende (disse entende, vivencia, discute; não quem acha que entende), tomei a liberdade de separar minhas observações em tópicos, de modo que até os mais preguiçosos enfrentem menor dificuldade para acompanhar:
- Terminologia: A reportagem constantemente se refere ao GTA Torcidas como jogo, um produto completo, o que obviamente não é verdade: trata-se de um mod, uma alteração do produto original. Você pode pensar que não faz diferença, mas evidencia a total falta de interesse em conhecer o assunto.
- Imparcialidade: Veja que magnífica a consideração com outros pontos de vista: "Tem gente que acha que..." e para por aí. Nunca essa gente é identificada, muito menos dada a voz. Tendenciosidade nenhuma, claro.
- Correlação implica causalidade: Ou, ao menos, é o que pensam vários jornalistas. É interessante como ninguém considera a possibilidade de que a violência cotidiana apenas se reflete nos games, e não o contrário, como afirmam. Novamente, tendenciosidade nenhuma.
- Opinião pública: Mesmo com tudo isso, ou melhor, por causa de tudo isso, a reportagem atinge seu objetivo: chocar e posicionar a sociedade contra "games politicamente incorretos". Devemos bani-los. Claro que as enormes dificuldades no processo são irrelevantes, e que se danem os vários interesses envolvidos na questão.
Boa parte dos detalhes apontados podem ser mencionados em relação a pesquisas envolvendo games, e aí dois assuntos tradicionalmente negligenciados pela mídia não-especialista — games e ciência — unem-se em um desastre certo.
Destaca-se nessas reportagens "científicas" a grosseira interpretação dos dados, principalmente com a premissa de que correlação implica causalidade. O fato de gamers, em determinada pesquisa, apresentarem tendência a depressão ou um distúrbio psíquico qualquer, não indica absolutamente nada à respeito de games causarem estes males.
Algumas boas almas tentam contornar a situação com um jornalismo dedicado (como Guilherme Gamer, que inclusive fez um vídeo comentando outra reportagem da Record sobre games), mas prevalece apenas no contexto de mídia especializada. Ou seja, material de gamers para gamers. O público geral continua nas sombras, sujeito à falta de compromisso social que acomete a mídia popular.
Sinceramente, eu gosto de saber a opinião do repórter. Gosto de ver que ele é humano e escolhe um lado. Porém, o que a Record faz não é o mesmo que A Liga. Não é a primeira vez que uma reportagem da emissora foi visivelmente parcial e discriminatória. Infelizmente, para a maioria que não procura se aprofundar no assunto, esta é a verdade, e para nós, a credibilidade da Record cai ainda mais.
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