24 de novembro de 2011

Discutindo tendências

Atenção: Este é um artigo sobre RPG!


Quem jogou d&d, principalmente a terceira edição conhece bem essa palavra, “tendência”. Eram em sua maioria duas palavras que definiam o personagem. Refletindo sobre o assunto, comecei a enxergar a tendência de outra maneira, como uma limitação da interpretação, da melhor caracterização do personagem.

Do Início

Primeiro vamos à origem. Tudo começa com a palavra em inglês e seu derivado, Alignment e Alinhamento. Segue-se no dicionário Alinhamento:

s.m. Ação, modo de alinhar: o alinhamento de um terreno. Balizagem, marcação.

Sendo assim seu objetivo seria alinhar o personagem em algum sentido, colocar ele em um caminho e praticamente obrigar a segui-lo. Mas na nossa tradução ela virou Tendência, que no dicionário quer dizer:

s.f. Ação, força pela qual um corpo é levado a mover-se em direção a alguma coisa: tendência dos corpos para a terra. Fig. Pendor, inclinação: tendência à mentira. Psicologia Diz-se para designar certos instintos, certos impulsos do homem, especialmente na medida em que esses instintos ou impulsos são conscientemente experimentados no comportamento que determinam.

Na forma de tendência temos duas opções: a primeira como o sentido de levar o corpo a mover-se em uma direção, que não muda em nada do alinhamento; e a segunda como as modas, como a cultura, gosto, entre outros, coisas que são escolhidas e com seus limites muito frouxos. Nesta segunda um exemplo por fora seria o próprio rock, cujos limites estão na cabeça de cada um. Além de existir vários estilos, todos estes são subjetivos, quero dizer que todos são do entendimento único de cada um.

Apesar do original, o nome tendência não poderia ser melhor. Ele está sempre entre a tênue linha entre o que obriga o jogador a seguir aquilo sendo o que é fixo no livro e na cabeça de muitos, e o que é subjetivo e maleável.



No livro de D&D

No livro temos duas linhas: Bem e Mal; Ordem e Caos. Entre eles sempre temos o Neutro.

No que seria Bem e Mal o livro diz: As criaturas boas são as que protegem a vida inocente, enquanto as criaturas malignas à corrompem ou eliminam, seja por diversão ou para proveito próprio. "Bom" implica altruísmo, respeito com a vida e preocupação com a dignidade dos seres viventes. Os personagens bons fazem sacrifícios pessoais para ajudar os outros.  "Mau" implica o desejo de ferir, oprimir e matar.

Temos ai a primeira confusão. O conceito de Bem e Mal é muito subjetivo, o que é fazer o bem ao próximo para um, pode ser fazer o mal na opinião de outro. Vejamos por exemplo a Igreja Católica em toda sua história. Para uns é exemplo de bondade ajudando todos a encontrar a paz e a fé em algo, aliviar dores, etc. Para outros é um exemplo de maldade por aproveitar dos sofredores de inúmeras maneiras. Então bom seria aquele que faz qualquer coisa boa mesmo que seja necessário sacrificar algo em troca e sem querer ganhar nada com essa ação. Concluindo, é muito difícil existir alguém realmente bom.

Vamos ao mau, que é descrito de uma maneira ridícula no livro! Se alguém quer ver filmes da Xuxa e outros infantis que fiquem com aquela descrição, mas para mim não é assim. Sempre se deve ganhar algo em troca, é assim que somos. Quando jogamos queremos nos divertir, quando compramos ou obtemos algo queremos usufruir de alguma maneira, todos nós somos assim, em todos os sentidos. Não há nenhuma forma, nem dando presentes por livre e espontânea vontade que fugimos disso. Quem dá presentes quer se sentir bem com isso, então ele busca este sentimento. Se a pessoa não se sente bem dando presentes ela não dará! Assim deve ser tanto o bom quanto o mau! Mas se todo mau for matar ou ferir porque gosta, ainda sim fica ridículo. Esses seres malignos de carnificinas desembestadas são infantis. Assim o "correto" mau "seria" o que faz uma maldade para alcançar algum objetivo, ter algo em troca. Mas olhando assim, ele seria realmente mau? Se na minha convicção, matar uma pessoa para ficar milionário não é errado, então não estou fazendo nada errado! Se na minha convicção, mentir é a coisa mais repugnante possível, então quem mente seria um exemplo maléfico! Assim o único mau é aquele que admite que o que faz ou que irá fazer é errado mas faz assim mesmo para alcançar seu objetivo.

Dentro desta discussão entre bem e mal temos como exemplo a maioria dos jogadores que atacam sem perguntar, sem tentar saber se é a criatura irá lhe fazer algum mal. Isto acontece principalmente se levando em conta a aparência. Para um bárbaro é aceitável atacar todo goblin, orc ou kobold, mas não vejo isso como algo normal se for feito por um clérigo de tendência boa. Outro exemplo, um paladino bom vai atacar um ser que julga maligno mesmo que este ser, sendo maligno de tendência ou não esteja fazendo algo que julga ser bom? Imaginem então este paladino matando o Henry Cristo por blasfêmia!


No que seria Caos e Ordem temos: Os personagens leais dizem a verdade, mantêm sua palavra, respeitam a autoridade, honram a tradição e julgam aqueles que não cumprem seu dever. Os personagens caóticos seguem a sua própria consciência, ressentem-se daqueles que lhe dão ordens, preferem novas ideias às tradições e fazem o que prometem se estiverem dispostos. Leal implica honra, confiança e obediência à autoridade. Caos implica liberdade, adaptabilidade e liberdade.

Seguindo os exemplos do livro, o leal é sempre turrão, cego e duro quanto uma pedra enquanto o caótico é sempre maleável, instável e contraditório. O principal erro do livro neste ponto se dá ao Leal. Ser leal é seguir a algo, não a tudo. Uma pessoa pode ser leal à lei, pode ser leal aos companheiros, pode ser leal aos seus ideais, entre outras coisas. É uma pessoa com vontade férrea para seguir o que pensa ser o certo de alguma maneira. Sendo assim, não existiria caótico! Se eu acho certo ser livre, questionar um rei corrupto, e defendo isso até a morte, o que faz de mim caótico? No livro seria o simples fato de ir contra as leis! O problema é se a lei não for justa? O problema é que cada um carrega consigo definições pessoais para a justiça. Como exemplo eu cito o William Wallace do Coração Valente. Para mim ele é Leal porque segue seu ideal, não abandona nem quando está prestes a morrer, mas segundo o livro ele seria caótico porque vai contra a ordem e contra as leis se rebelando além de ir contra a honra ao querer se livrar do rei.
Além disso, segundo o livro o caótico seria a pessoa que nunca teria amigos! Se alguém realmente interpretar um caótico (coisa que nunca vi na minha vida!), nunca poderia seguir uma lei, nunca poderia ser honrado, deveria ser sempre livre e nunca ter um grupo, em outras palavras seria um andarilho ermitão sem amigos e que não respeita ninguém! Seria alguém totalmente instável, alguém que não se apega a nada e que as pessoas não confiariam em ter ao seu lado!


Na realidade

Não citei antes porque deixei para o verdadeiro fim, para o que é mais próximo do real, o neutro. Pode haver cada exemplo do que disse, mas é tão difícil que beira o impossível! Além disso, tudo é subjetivo, o que é uma coisa para um não é para outro. Por isso acho que na verdade todos são neutros. Ninguém faz o que não lhe traga algo em troca, segue seus pensamentos, é livre para fazer o que quer e faz mal a alguém caso seja necessário.  Eu ajudo quem eu quero, sou bom por ajudar, mas não ajudo todos. A vingança, a mentira, a traição, frases e palavras desnecessárias ferem e todos já fizeram isso. Quem nunca mentiu, nunca foi contra alguma regra ou lei? Ou vai dizer que você segue rigidamente todas as leis? Você respeita ou não todos os que lhe dão ordens?

Então, revendo as tendências vejo que são absurdamente falhas e subjetivas, são ridículos pontos para fixar um personagem em algo, para defini-lo. Talvez os criadores as pensassem como auxílio para a criação do personagem, mas não vejo como tal, vejo como um obstáculo para criar um personagem real e bom, um personagem com conteúdo. Ela é um limite totalmente desnecessário! Além disso, as linhas que separam e definem as tendências são muito infantis, claro que estão na fantasia que muitos querem, mas não cabem em um mundo adulto e real. Sendo assim a escolha é de quem mestra, de quem narra. Você pode criar o mundo da Xuxa ou de Watchmen, a escolha é sua!

2 comentários:

  1. Eu concordo e discordo com alguns pontos. Primeiro, acho que as tendências escolhidas durante a criação de personagem não devem ser levadas ao pé da letra, elas simbolizam apenas uma "tendência" do personagem, algo que ele está inclinado, impulsionado a fazer. É mais facil visualizar isso em um jogo de RPG em computador, onde o alinhamento do personagem é quantificado. Os personagens não começam com 100% de leal e bom, por exemplo, vai muito da interpretação (se você quiser até pode TENTAR interpretar alguém assim, mas é praticamente inviável). A tendência não serve como um modelo ideal para o personagem seguir (limitando a interpretação do personagem), ela é simplesmente uma ferramenta do jogo para classificar de uma forma bem abrangente suas ações, a fim de influenciar em nível de regras de jogo (utilizar certos itens, magias, classes, etc). É claro que é uma classificação bem simplificada, mas o motivo é para facilitar o jogo de RPG de mesa (é facil de notar que em todos os jogos de RPG de computador que utilizam o alinhamento, sua classificação é muito mais precisa (quantificada) do que no jogo de mesa. Se o mestre quiser, ele pode estipular uma regra aplicando pontos de tendência para cada ação do jogador, influênciando de uma maneira maior o alinhamento do personagem.

    Na minha opinião, o mestre não deve impedir o jogador de fazer alguma ação que vai contra a tendência dele, mas sim ir evoluindo para que um dia esta tendência mude (o que pode acarretar em problemas com algumas classes restritas por tendências). Mas isso deixaria o jogo mais dinâmico, mostrando que as ações do jogador influenciam sim em seu alinhamento.

    Quantos aos limites ente as tendências, eu acho algo completamente aceitável, dado a simplicidade da classificação. E como toda classificação, pode acabar dependendo da interpretação das regras que as dividem (principalmente próximo aos limites). O livro de D&D não estabelece precisamente esses limites pois o deixa a cargo do mestre e dos jogadores, tornando-os mais subjetivos. Eliminando assim discussões quanto as regras que os dividem, bem como a falta de algum critério que possa gerar mais discussões. Por outro lado, pode gerar brigas por questão da interpretação de cada um (mas aí eu sugiro que a palavra do mestre se sobressaia).

    Além disso, não considero o Caótico como alguém que não possui amigos ou não respeita ninguém. Mas sim algo como o oposto do que está escrito no Leal, alguém que não possui vontade férrea, que não possui um ideal em mente, sendo assim "livre". Ele não planeja suas ações ao longo do tempo, simplesmente "deixa a vida levar", aproveitando as oportunidades que aparecem. Ele não teria que "sempre não seguir as leis", ou "nunca poderia ser honrado" ou "nunca ter um grupo", ele poderia sim, mas só se assim desejar, e provavelmente por um período de tempo (já que se ele nunca respitasse as leis, fosse honrado, ou ter um grupo, ele estaria fugindo a premissa de ser algo totalmente instável, imprevisível) ^^

    Agora se você levar em consideração as tendências como algo que você tem que seguir a risca, concordo que todos seríamos neutros. Porém acho que a tendência serve só como uma inclinação maior do seu personagem. Se ele é bom, está mais inclinado a ajudar alguém (mesmo que isso mude seus planos) do que simplesmente deixar a pessoa sofrendo. Porque se fosse assim, seria impossível mestrar para um grupo onde exista qualquer tendência oposta.

    Por fim, gostaria só de parabenizar o post que ficou muito interessante, me dando mais vontade de jogar D&D 3.5!!! ^^

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  2. Pois é, até falei dessa da "tendência" tender, como música, moda, etc. Acho que é o mais próximo mesmo. Mas mesmo assim ainda vejo essa sombra como algo ruim.
    Sobre o caótico, o que você falou faz sentido. Talvez ele seja alguem que não possui a vontade férrea do Leal, seja alguem fraco de vontade na verdade. Mas o que disse de não ter amigos é que como ele está em constante mudança, não tem como ele se fixar a algo. Sei lá, ainda acho o caótico muito ... estranho. Para mim, continua sendo difícil achar alguem que interprete um verdadeiro caótico.

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