17 de junho de 2012

O fim da criatividade?


O "apelo à originalidade" é um argumento cada vez mais onipresente, em especial na crítica literária e de entretenimento. Obras que apresentam quaisquer elementos notáveis já utilizados anteriormente, em especial aqueles apontados como clichês, muito provavelmente vão ter pelo menos um crítico apontando sua falta de valor próprio. Mas há vários motivos para julgar esta visão como equivocada.

Em primeiro lugar, vale a pena mostrar que tão equivocado quanto glorificar a originalidade é eliminá-la da questão, afirmando não haver mérito em coisas novas, que tudo é cópia e não há novidade. Acontece que uma ideia nunca é igual à outra, muito menos a forma como a representamos de modo a entreter o outro.

Estilo, filosofias, objetivos - há muitas escolhas e considerações feitas durante o processo criativo. O resultado dessas escolhas é consequência da originalidade inerente ao indivíduo, já que toda pessoa tem suas próprias características, pontos de vista e preocupações.

Deve-se também notar que a originalidade nada mais é do que uma característica da obra, como o são a estética, os aspectos técnicos e o modo de contar uma história. É perfeitamente possível, e fácil de ver, que uma excelente ideia seja traduzida de forma ruim. Prova disso, saindo do mundo do entretenimento, pode ser encontrada no ambiente acadêmico: é comum encontrar estudantes universitários com várias deficiências na comunicação (principalmente escrita), mesmo teoricamente sendo qualificados, tendo conhecimento etc.

Ideas Creativas por  *r.s* Photography * (CC BY-NC-ND 2.0)
Talvez a falha mais acusadora e evidente do apelo à originalidade é a identificação errônea da "falta de originalidade". Argumenta-se que remakes de filmes antigos denunciam pouca inovação, mas ignora-se totalmente os esforços envolvidos na tentativas de conservar uma trama consagrada e, ao mesmo tempo, adaptá-la ao público atual.

Um remake deve alterar, mas sem alterar, e ainda por cima enfrentar a pressão de reproduzir o sucesso da obra antiga no mundo contemporâneo. Se isso não exige criatividade, então podemos facilmente substituir os diretores e roteiristas envolvidos por computadores. No dia em que alguém criar um algoritmo capaz de escrever e dirigir um remake, eu graciosamente retiro minhas palavras e passo uma semana inteira dando comida na boca do Jabba.

Exemplos de excelentes paródias (Todo Mundo em Pânico, A História do Mundo), adaptações (V de Vingança, Watchmen), remakes (Onze Homens e um Segredo) e bom uso dos odiados clichês (mais clichê que o Avatar de James Cameron é difícil conceber) são amostras contundentes da inconsistência do apelo à originalidade, um artifício muito usado para disfarçar argumentos fracos e preconceitos.

No final das contas, o próprio apelo torna-se algo repetitivo, batido. Trata-se de uma banalização do entretenimento e do processo criativo como um todo, desprezando vários aspectos importantes e muito mais importantes à crítica do que o fato de uma obra remeter à outra... Coisa que, aliás, sempre vai acontecer, não importa o quanto se mascare. Se por um lado toda ideia é única, também é verdade que nenhuma coisa nasce do nada.

"Se vi mais longe foi por estar de pé sobre ombros de gigantes"
Isaac Newton (1643 - 1727)
Creativity Unleashed #08, por iVinay (CC BY-NC-SA 2.0).

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